Drummond: Comemorando 110 anos do seu nascimento
Consta que Carlos Drummond de Andrade comentou com amigos, na Editora José Olympio, a origem de um poema seu publicado no JB de 25.05.82. Estava ele na varanda de sua casa, quando viu pela primeira vez uma velha chave pendurada na parede, que lhe despertou muita curiosidade. Indagou à esposa a razão de como viera parar ali. Essa chave acabou instigando-o a escrever o lindo poema "A chave" que, por sua vez, provocou a homenagem de uma leitora-poeta, Helena Ferreira, ao compor outro,"Mais uma chave", que com ele dialogou...
era para dizer: os Antigos?
(Sorrio, pensando: somos os Modernos
provisórios, a-históricos...)
Os Antigos passeiam nos meus dedos.
Eles são os meus dedos substitutos
ou os verdadeiros?
Posso sentir o cheiro de suor dos guarda-mores,
o perfume-Paris das fazendeiras no domingo de
/missa.
Posso, não. Devo.
Sou devedor do meu passado.
cobrado pela chave.
Que sentido tem a água represa
no espaço onde as estacas do curral
concentram o aboio do crepúsculo?
Onde a casa vige?
Quem dissolve o existido, eternamente
existindo na chave?
O menor grão de café
derrama nesta chave o cafezal.
A porta principal, esta é que abre
sem fechadura e gesto.
Abre para o imenso.
Vai-me empurrando e revelando
o que não sei de mim e está nos Outros.
O serralheiro não sabia
o ato de criação como é potente
e na coisa criada se prolonga,
ressoante.
Escuto a voz da chave, canavial,
uva espremida, berne de bezerro,
esperança de chuva, flor de milho,
o grilo, o sapo, a madrugada, a carta,
a mudez desatada na linguagem
que só a terra fala ao fino ouvido.
E aperto, aperto-a, e de apertá-la,
ela se entranha em mim. Corre nas veias.
É dentro em nós que as coisas são,
ferro em brasa – o ferro de uma chave.
Como se fosse mais um quadro
na parede do itabirano
ela já não é mais chave assessora
É a que de teia mineira
faz-se atriz-espectadora.
Uma chave que a solidão não demite
nem tampouco ao amor reage
Uma preciosa chave sem idade.
Chave virtual
que abre todos os umbrais
Chave do campo
Chave da cidade
Enfim
chave do tempo sem tempo:
chave chave
(Nossa clave no som
do ontem e do sempre).
De repente
ouve-se um ruído
de trinco partido
E um baque ecoa
no douto salão
é outra inesperada chave
que forja e abre de novo
nossa emoção.
* Feito em homenagem a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), e a ele enviado, o poema de Helena Ferreira "dialoga" com "A chave" drummondiana, que ela leu no Jornal do Brasil, de 25.05.82. Posteriormente, uma versão com alterações (a que consta na 1ª pág.) foi publicada no livro Corpo (ed. Record, 1984), ora no prelo pela Companhia das Letras, atual detentora dos direitos de publicação da obra de CDA.
Em retribuição, CDA endereça à autora o bilhete: